Décimo Sétimo capítulo - Quando a '' Obra é maior que o autor!"

           

             `A cabeceira da cama de Gervásio repousava uma pequena Bíblia. Aliás as irmãs tinham igualmente uma Bíblia em suas cabeceiras. Uma pequena imagem de Nossa Senhora cultuada como Nossa Senhora dos Navegantes, uma foto do Farol da Colina, e outra da pequena capela erguida em homenagem à Santa. Sobre a cômoda lateral um retrato seu ao lado de amigos da Universidade que cursavam com ele o mesmo curso de Piscicultura.    Após rezar Gervásio sentiu-se mais tranquilo para a reunião na Cooperativa.

            Ainda estava surpreso com a adesão do Prefeito Josias Bastos ao seu Projeto, que ele estava  disposto política e pessoalmente em ajudar Maria Augusta e sua irmã na implantação de uma sub Prefeitura.

 O que dizer , então, de seu interesse em construir uma Ponte ligando o continente ao Mangue?

 O Prefeito estaria presente à reunião ?

               Mas é claro que sim! Respondia em pensamento. Ele não perde uma. Sinto que realmente ele foi sincero, mas precisamos ter cautela em nossos passos.   Percebo que o Prefeito estava receoso, porquê girava a caneta naquele papel rabiscado, apesar de demonstrar entusiasmo.  Eu fico um pé atrás, desconfio sempre. Já aprontou antes, e pode aprontar de novo. Como eu disse prá Maria:   __Só acredito depois que assinar os papéis no Banco.   E  se não me engano, ele precisa receber um aval do seu partido político. Veremos na quinta-feira quando formos ao Banco Agropecuário.  Eu no lugar dele já estaria conversando com Deus e o Mundo para seguir em frente.   Ele disse que já tinha recebido sinal verde. Sinal verde prá mim é financiamento federal, interesse do Governo do Estado.   Deve ter mais gente interessada na construção dessa ponte. Ahhh se tem!    Vários municípios serão beneficiados. Sei que meu Projeto é ambicioso. Talvez, eu mesmo não tenha me dado conta das ramificações, e do alcance econômico. Fiz meus estudos!  Às vezes a obra é maior que o autor!

                 Gervásio não deveria ficar pensando depois da reza, tomará até um banho frio prá relaxar. Pensava em Anita e pegou o notebook trazendo ao colo, entrou em uma rede social.  O que estava fazendo? Parecia um robô teleguiado.  '' Anita...Anita do quê mesmo? O Pai é João Lucas! Hummm vamos ver...E digitou Anita Lucas
no Google.    Resposta :   Anita Lucas está na rede social. Siga este link.
        Gervásio subitamente, como que se levasse um susto fechou o notebook, rezou novamente e dormiu!
           Aposto que Maria Augusta virá a reunião com mais pessoas para fazer uma ''pressãozinha'' !
              Naquela mesma madrugada no quarto acostado ao de Gervásio quem não conseguia dormir era o Pai José Simão que ele às vezes chamava de Antônio Simão , mais pela semelhança física.
             Senhor José pensava:  ''  Eu não devia ter contado nada prá Teresa!  Fiquei mais agoniado do que se tivesse ficado calado. Por que é que sou assim desse jeito? Acho que sofro das ideia. Vou ter que avisar o João Lucas!    Parece que todos naquela casa estavam sem sono! Se fosse possível ouvir pensamentos, ninguém dormia naquela vila, naquela noite!  Senhor José estava tão incomodado que levantou e foi até a varanda, sentou-se na rede e pegando um cigarro de palha do bolso, abriu, ou melhor, desfolhou e do outro bolso tirou um pequeno canivete , mais um pequeno rolo de fumo, deu alguns picotes, mascou como se fosse chiclete. Sobre um pequeno tamborete de madeira ali no canto da varanda ele triturou aquele ''tantinho'' de fumo distribuindo sobre a folha de palha. Cuspiu nos dedos e lentamente enrolou de volta a folha para formar um novo cigarro.  Era apenas para fumar aquele pouco, senão ao amanhecer antes do café ''seu'' José faria um cigarro maior, e com mais fumo.  Riscou um fósforo num lasco do batente e obteve uma chama que iluminou seus olhos ainda na escuridão daquele noite.   Deu umas boas pitadas, com baforadas de um tom marron e azulado. Não demorou quase nada para receber companhia. Quase caiu da rede, do susto que levou quando D.Teresa com alguns rolinhos de papel presos nos cabelos surgiu arrastando os chinelos.
___Homem de Deus! O que você tá fazendo aqui fora há uma hora dessas? E fumando?
___Aí que susto, Teresa!  Chega de manso, falando no escuro, Jesus! E arrastando o chinelo feito assombração?   Eu tô sem sono!  Me arrependi de ter falado do segredo do compadre.
___Primeiro, olha aqui!  Eu não sou assombração, coisa nenhuma! E segundo que se tem assombração aqui, eu tô olhando uma agora, viu?  É você que tem esse vozeirão!  Morenão ! E cigarro de palha ! É o Preto Velho !
           E prá completar seu José Simão riu igualzinho ri um Preto Velho, mas fez graça!
___ Vem cá, minha velha, senta comigo na rede!  A noite tá bonita, se tivesse lua cheia eu até cantava prá você, viu?
 ___Pera ai! Não terminei!  Você não me contou segredo nenhum, apenas disse que ele tem um segredo prá te contar, isso é muito diferente.  E é melhor você apagar seu cigarro que faz mal prá sua saúde. Pensei que já tinha jogado fora isso, mas pelo jeito... Reclamou D.Teresa. Olha o cheiro que fica? Ainda bem que fumou aqui fora. Você sabe que eu não gosto!
___Se você não quer ficar, pode entrar e voltar pro quarto que eu vou sem seguida.( ele falava errado mesmo) Quero pensar umas coisa!   Eu vou logo, me dá um beijo!
      D.Teresa não insistiu. Deu um beijo no rosto do marido e entrou, arrastando o chinelo. Parou na cozinha, olhou o relógio na parede... 03:30 hrs, da madrugada. Requentou um café, encheu duas canequinhas de cêramica verde, voltou prá varanda e ofereceu pro marido.  Senhor José sorriu, segurando carinhosamente a mão da sua ''véia'' e disse :  ___Eu te amo!  Ela respondeu:  ___Eu também, eu também! E voltou pro quarto levando sua canequinha, espalhando o cheiro de café quente pela casa inteira.
        De passagem pelos quartos ela deu uma olhadinha nos filhos, só pra saber se estavam dormindo. Ai sossegou!