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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Primeiro Capítulo - O grande cardume!


                 Um barco aproxima-se da praia! Ainda é madrugada, quase amanhecendo, a embarcação e seu único ocupante, um jovem, talvez 19 (dezenove) anos que salta rapidamente apoiando-se com o braço esquerdo em um dos costados. O barco oscila para a direita ao sabor de pequenas ondas que somente não vira por causa do peso que carrega. Julga-se que a pesca dessa noite foi boa. O jovem sorrindo, comemora mergulhando nas ondas que lhe cobrem o tórax e ombros bem definidos de quem rema quase que diariamente, e puxa o barco segurando-o com uma corda azul de nylon pendente da proa. Os primeiros raios de sol começam a brilhar sobre seu corpo molhado e o barco de tão cheio também reluz apesar das caixas encobertas pelas redes. São as escamas do peixes que refletem as cores do arco íris que formam alguns desenhos multiformes nas costas do jovem Gérvasio. Suas costas morenas bronzeadas tem uma ‘’plumagem’’ branca, curiosamente, formam um desenho de asas, um pouco rasas e molhadas. 
              Naquela hora outros pescadores começariam a chegar a beira da praia puxando também seus barcos. O barco de Gérvasio não era dos maiores, e ele até mesmo cansado consegue arrastar na areia em direção de um grupo de pessoas. Uma mulher e duas meninas correm para ajuda-lo, é sua mãe e suas irmãs. Outro homem surge próximo a ele igualmente sorrindo que puxa outro barco cheio de peixes. Os dois pulam como duas crianças alegres, um breve momento, mas como que refazendo-se da euforia, ele abraça o jovem dando-lhe um leve tapa nas costas, beliscando sua ‘’plumagem branca’’, e emparelha os dois barcos.
              Começam um processo de retirada das caixas dos peixes, apenas algumas para aliviar o peso facilitando o aprumo e assentamento nas baias respectivas.  Esse homem é seu Pai! A família vive da pesca há mais de 50(cinquenta) anos. E nem sempre a pesca é generosa. Aliás bem pouco generosa. Aquela noite foi, digamos, abençoada.
___ Mulher! ( Ele beija a esposa e filhas enquanto todos juntos trazem os barcos mais para cima das baias com as madeiras de rolagem)
___ Mulher! Repete o homem. Me lembre de ir à Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes agradecer à Santa. Leve o rosário como sempre!
       Claro Antonio! Mas por hora vamos arrumar a barário(*) como sempre!
       Claro Antonio! Mas por hora vamos arrumar a barraca e descarregar essa peixarada abençoada e vocês dois vão contando devagarinho essa belezura de história toda, não é?
___Tereza! Minhas filhas! Eu agradeço à Deus que ainda me dá saúde pra essa lida difícil. E seu amor e carinho cuidando das meninas e de casa, enquanto eu e seu filho ficamos esses três dias na procura dos peixes.
___ Ô Pai! O senhor não acha que devia descansar? Falou a filha caçula.
___Eu? Descansar ? Carlinha ? Por hoje não, tô muito feliz e quero limpar esses peixes. Cadê os pedrão de gelo?
___Tá tudo aqui Pai. Respondeu a filha mais nova. Acho bão já quebra pra mor de cubre os peixes, né Pai?
___Isso mesmo filhota! Isso mesmo!
Gérvasio causava um certo alvoroço na praia. Tinha a mocidade e corpo de atleta, olhos levemente azuis, iguais ao da mãe. Suas irmãs Márcia e Carla idem. Diferença de três anos dele para elas, Márcia 16 e Carla 13.  Carla ainda brincava um pouco com sua boneca que já estava ficando a um canto do quarto onde as duas dormiam juntas. Uma casa modesta na Vila dos Pescadores Rainha do Mar. Os barcos eram de propriedade da Cooperativa. Todos os pescadores se ajudavam na conservação dos barcos e consertos das redes de pesca. Seu Antonio era um dos cooperados mais ativos, e tinha um coração generoso, nem sempre compreendido por outros companheiros que estavam desgostosos com os preços que o entreposto de pesca pagava na pesagem dos peixes.
               Gérvasio gostava muito de trabalhar na pesca, e mais ainda de trabalhar ao lado do Pai que o ensinou desde pequeno, primeiro o ensinou a nadar e correr, tudo naturalmente, ensinando-o a tecer a rede junto com a mãe e as filhas. Indo com ele até a escola quando menor, e Gérvasio agora levando Carlinha. Seu Antonio nunca que dispensou os filhos de frequentar escola. O estudo é importante! Ele dizia aos três.
__Quero que vocês cursem Faculdade. Este trabalho é muito duro prá vocês. A gente ‘’veve’’ dele, mas com estudo os ‘’ceis’’ podem ir mais longe. Se eu pudesse teria estudado um pouco mais. O pouco que sei devo à sua mãe que gosta muito de ler. Na missa ela é sempre chamada pra fazer as leituras. E depois é bom a gente acompanha o andamento do mundo, essas modernidade, esse tal de celular que eu ainda tô aprendendo. Seu irmão o Gérvasio sabe usar esse troço.  Eu só não gosto é dessas festas abarulhadas dos turistas. Essa mocidade que fuma esses cigarrinhos deferente. Eu fumo, mas é um vício que tá me atrapalhando a respiração. Ando um pouco cansado. Mas ‘’tumem’’ o que fumo é fumo de corda, cigarrinho que eu mesmo apreparo, e dô minhas pitadas, eu não trago a fumaça pra dentro, entendeu. Mesmo assim, olha o estrago. Acho que não pito direito, então? Eu devia parar de fumar!
Outra coisa que não gosto. Tem gente demais com tatuagem. Nossa Senhora!
Antigamente a gente via um ou outro pescador com tatuagem , uma..umazinha! Agora inté mulher grávida tem tatuagem !  Outro dia vi uma criança tatuada! Pode isso?
___Pai! Daqui há pouco os turistas vem comprar peixe, mas a gente precisa pesar primeiro no entreposto, certo?  Vamos lá enquanto os outros pescadores ainda estão descarregando.
___Certo filho! Tenho orgulho de você, é jovem mas é responsável! Nunca me deu trabalho, na educação, nem prá mim e nem pra sua mãe. 
___Ele é um ótimo irmão também Pai! Completaram as irmãs
___Mas depois da pesagem, eu quero saber como foram esses três dias em alto mar. Estão me devendo essa história.
___A gente conta mãezinha, a gente conta.

O Entreposto ficava ali mesmo rente as baias dos pescadores que eram numeradas e com nomes nas embarcações. Todos se conheciam. Famílias antigas da Vila. Passavam o bastão, modo de dizer, de Pai prá filho.  Seu Antonio recebeu do seu Pai, o velho José Simão, que ainda estava vivo, mas lógico aposentado, com saúde e ficava jogando dominó com outros amigos. Noventa e um anos, bem vividos, gostava também de um carteado, canastra o jogo preferido, excelente memória, não se sabe se era por conta de comer peixe ou por conta de jogar sempre.   Jogar a dinheiro? Jamais!  Recomendação do Padre. Mas ele não gostava não de gastar seu dinheirinho.
Seu Antonio cochichou alguma coisa ao pé do ouvido do filho, segurando com ele uma caixa cheia de agulhinha e agulhão, nome dos peixes, agulhinha o grande, e agulhão o menor, invertido mesmo.
Gérsasio piscou e emendou outra conversa igualmente cochichada.
___Bom dia! Bom Dia! Disse Seu Antonio olhando diretamente nos olhos do sr. Cláudio o ‘’pesador oficial do entreposto’’.
Discretamente o Seu Antonio aproximou-se do balcão e puxou um folheto rabiscado, olhou rapidamente, e devolveu o folheto no mesmo lugar.  Voltou a cochichar para o filho e tomou a frente colocando a caixa para a pesagem, e foi dizendo:
Sr. Cláudio, sim é sim um Bom Dia, como o senhor pode ver na caixa. Quanto estão pagando por  peso do Agulhinha e Agulhão. Quero lembrar o ‘’amigo’’ que este é um peixe que tem faltado um pouco no mercado, e assim que os turistas chegarem vai vender rápido.  Veja que beleza de peixes, considere que ainda não foram limpos, eu sei disso, mas são peixes com pouca escama, e estes são bem gordinhos, a diferença no peso deve dar um preço melhor, com certeza!
Seu Antonio viu que o preço desses peixes e outros estavam baixos, por que o entreposto revendia nas suas barracas a maior parte e deixava uma margem, uma percentagem de bonificação para os pescadores revenderem em seus próprios barcos.  A diferença do entreposto para os barcos era pequena, o lucro do entreposto, lógico, era maior. Era sempre assim. Mas seu Antonio cochichou: Desta vez vai ser diferente. Presta atenção!
Seu Cláudio puxou do folheto do balcão e cantou o valor : É x por quilo!
___Perdão Seu ‘’CRÁUDIO’’ disse propositadamente errado Seu ANTONIO.  Poderia repetir seu ‘’CRÁUDIO’’, é que eu tenho outras caixas desse peixe . Todos bem bonitos.
         Se o Sr. Melhorar o preço eu lhe digo que eu tenho outras caixas desse peixe . Todos bem bonitos. E ainda vou trazer limpos , prontos prá venda, viu?
         Se o Sr. Melhorar o preço eu lhe trago mais caixas desses peixes.
O homem coçou a barba, e então respondeu:  Se trouxer as outras caixas eu aumento o preço.
___Tudo bem! Meu filho aqui é testemunha! Mas quero fazer diferente.
Escreve aqui porque preciso contar quantas caixas eu ainda tenho. Aliás, quantos peixes agulhinha ou agulhão,
___O  Senhor tem quantas caixas prá trazer?
___Primeiro escreve aqui o preço e eu lhe digo.
Vou lhe dizer o seguinte:  Tenho peixes para o dia inteiro.
___O dia inteiro?
___É o que estou lhe dizendo!
O homem então escreveu o preço
Ai Seu Antonio sorriu, mas argumentou.
Sr. Cláudio, e ai ela falou o nome dele direitinho.  Estamos chegando a um acordo.
Eu sei que o seu preço está bom, mas sei que ainda pode ser  melhor!
Vamos lá! Sei que tem uma margem, um limite. O senhor ganha e eu também, e garanto que de onde veio essa caixa posso buscar mais, isso eu garanto. Afinal o Senhor só tem o trabalho de vender, e eu tenho o trabalho de pescar.
O Homem escreveu outro papel e aumentou em 20% o preço tabelado.
Ótimo, o senhor tem a minha palavra! Gostei deste preço.
A pesagem deu naquela caixa 60 quilos e rendeu R$ 180,00 à média de r$ 3,00 por quilo.
Voltaram  para pegar as outras caixas. Ao retornarem Seu Antonio entregou o dinheiro a esposa que guardou no bolso com zíper do velho avental que sempre usava para ajudar na limpeza dos peixes. 
___Tudo isto naquela caixa das agulhinhas e agulhão, querido? Indagou a esposa.
___ Vou levar mais  três caixas, mas tenho que levar peixes limpos, sem escamas.  E ainda temos o barco do Gérvasio.  Esse a gente deixa reservado. Estou vendo que você já começou a vender. Não fico zangado, você pensa bem e calcula melhor que eu. Qual o preço que tá oferecendo aos turistas?

 O filho olhou prá mãe e comentou:

O Pai foi esperto na negociação, conseguiu puxar o preço, quase R$ 3,00 o quilo. Foi muito bom.
____Então podem sorrir mais ainda. Estou conseguindo vender a R$ 5,00. Eu já perguntei à Luisa esposa do João qual o preço do entreposto, e ele me disse que estão vendendo a R$ 8,00. E quem compra pensa que é o entreposto que limpa os peixes. E somos nós que fazemos a limpeza!
___ Ótimo! Continue a vender por R$ 5,00.  Os companheiros cooperados devem estar festejando! 
____ A gente sabe que eles ganham a fatia maior do bolo. Respondeu Dona Teresa.
      ___ Mas é desse jeito que funciona o mercado. Replicou Antonio. Quem decide o preço é a demanda.  Estes peixes são muito procurados e estavam em falta, na verdade onde conseguimos pescar foi bem arriscado.  Por favor, Teresa não conte a ninguém porque achamos que dificilmente a gente se arriscaria de novo. Sabe a Ilha dos Marrecos?
___ Não me diga que vocês foram lá? Tem rochedos demais.
___ Teresa fale baixo!
___ É MUITO PERIGOSO!  Ela falou olhando em seus olhos e bem de perto.
___ Eu sei, eu sei. Mas foi quase que sem querer. Você sabe que lá é fora do limite legal de pesca, e eu e o Gérvasio  estávamos cansados e ancoramos os barcos do outro lado oeste da Ilha, bem limite mesmo, porém limite legal. Não sei se algum pescador já esteve por lá. Parece que a vazante nem mesmo acontece ao redor da ilha, talvez pela quantidade de rochedos, alguns maiores outros menores. Estava sempre cheio o nível, pelo menos nos dias que ficamos ancorados.  Desconfio que as correntes marítimas estão mais fortes nesta época do ano, mas curiosamente estavam bem calmas por estes dias.  Deixa eu contar como foi!
___Como assim dias? Nas minhas contas vocês ficaram três dias fora. Ficaram os três dias ao redor da Ilha dos Marrecos?
___Olha me deixa explicar . Dizia a você que a gente estava cansado,pela manhã a pesca foi difícil, uns peixinhos aqui, outros ali, mas pesca na rede mesmo não estava valendo à pena, então ancoramos ali, porque o mar estava calmo, calmo como nunca eu vi um mar tão calmo em toda minha vida. E o sol nem incomodava com os chapelões que costumamos usar, estes que trazemos nas costas.  A calmaria ajudava tanto que os barcos deslizavam ao sabor de uma corrente que nos levou até bem perto da Ilha. A gente quis saborear essa raridade. Já ainda de manhãzinha avistamos um cardume de peixes. Precisava ver que beleza quando eles começaram a saltear, inté parecia que esperavam a gente.  Teu filho fez o sinal da cruz e olhou como que dizendo, é hoje ou nunca. Hora de finalmente jogar a rede.  Eu entendi o recado, e deslizamos na direção do cardume. Era enorme! Porém o cardume mudou repentinamente de direção. E avistamos outros barcos não muito longe da Ilha, dentro dos limites permitidos.
Eu falei pro Gérvasio:
___ Filho, a gente não pode seguir o cardume. Nessa calmaria eles seguem muito rápido e podem ter percebido a chegada de outros barcos. Os peixes tem sentido apurados. Vamos aguardar um melhor momento. Com sorte o cardume vai retornar.
____ Será meu Pai, eu já tava com as redes nas mãos! É melhor o Senhor acreditar nisso, porque será a nossa melhor pescaria este ano. Nunca vi um cardume tão grande. De onde será que veio?  Do céu? E fez novo sinal da cruz beijando à corrente que trazia ao peito.
____ O Senhor sabia que ganhei da mãe a semana passada?
_____ Filho, confia em mim, confia nos meus sentidos. A gente deve conversar com a natureza. Esse cardume vai voltar, porque o mar esta bem calmo, e devem estar buscando comida. Olhe ali, vê aqueles corais? Quanto quer apostar comigo que eles estão lá embaixo?
____ Quer saber meu Pai? Só tem um jeito de confirmar isso.  Vou mergulhar e ver com meus próprios olhos.
____ Ok! Só vou deixar você mergulhar porque hoje o mar está prá peixe! E gargalhou.
         Gervásio pegou da máscara de mergulho , respirou fundo e tombou de costas com impulso para a direção dos corais.  A água estava límpida quase cristalina, e nem precisou aproximar-se dos corais. A certa profundidade, uns três metros, ele viu estupefato exatamente o que o Pai descrevera:

O imenso cardume bailava por entre os corais. Muitos peixes, a maioria deles agulhinha e agulhão.

Dona Teresa ouvindo o relato do filho ficou bastante emocionada!

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