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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Oitavo capítulo - Aplausos na reunião da Cooperativa.

              

               Luzes acesas no salão que passavam a claridade pelo largo estacionamento de areia batida. Chegaram bem a tempo, quase que pontualmente, faltando uns cinco minutinhos prá '' nove horas da noite''.
                Logo à entrada, dois cabides de madeira acomodavam chapéus e casacos dos participantes. Cadeiras de plástico enfileiradas, quinze para a direita, e quinze para a esquerda, tendo uma cortina branca suspensa em um trilho iluminado com pequenos holofotes, desses usados em peças de teatro. Um deles aceso foi o suficiente. Mais que um já seria desperdício de energia.
               Uma mesa de madeira e outras cadeiras no palco preparado que distava somente um degrau do chão do salão.   Senhor Simão tirou seu velho chapéu deixando aparecer sua calvície acentuada que reluzia sob o holofote causando alguns risos baixos entre alguns amigos presentes. Os homens falavam aos sussurros entre eles à moda de pessoas que demonstravam ansiedade e curiosidade pelo tema da noite. Junto deles o Prefeito que estava em silêncio coçando pensativamente a sua barba branca.
                     Gervásio caminhou direto para o palco cumprimentando com acenos algumas pessoas. Olhou ao fundo do salão que dividia-se com a cozinha da casa de seus pais.  A vila dos pescadores era uma dentre várias vilas, algumas dedicando-se à pesca natural com barcos e redes. Vários barcos transformados em barcos a motor e manutenção sendo feita na galpão ao fundo do pátio de estacionamento, onde outro galpão mais antigo recebia para conserva e distribuição por mês aproximadamente 3(três) toneladas de peixes. 
                  Aqui são recebidas as coletas de quase todas as vilas. As embarcações variam de tamanho e capacidade, as maiores com motores mais potentes. A solidariedade dos pescadores aos moradores das margens dos manguezais é fruto de uma conscientização pela preservação ambiental.. Estes cooperados necessitam igualmente serem ouvidos porque trazem questões importantes. Uma delas é a necessidade de estimular boas práticas de manejo sustentável para inibir ou coibir atividades predatórias. Muito delicada a situação da população ribeirinha dos mangues que vivem de outra qualidade de pesca: a pesca artesanal !  
            Pescam  siris, guaiamuns (caranguejos) e mechilhões.
            
              O salão estava repleto! Nas laterais Gervásio observou pessoas de pé, mulheres de meia idade e algumas crianças. O Prefeito Bastos compareceu a reunião e olhava incomodado para aquela situação. Fez uma menção de que iria levantar-se de onde estava e ceder seu lugar quando  Clara retornou com mais cadeiras, auxiliada por D.Teresa. À frente tanto a direita quanto à esquerda formaram-se outras fileiras. Aquelas mulheres e crianças ficaram devidamente acomodadas. Entre as mulheres duas irmãs bem conhecidas : Maria Augusta e  Neusinha Ribeiro.

             Elas são além de trabalhadoras na pesca artesanal, intimamente ligadas a preservação das gaivotas, em particular a proibição de captura do marreco mandarim que esta em via de extinção. Ao sentarem-se cumprimentaram Gervásio e lhe estenderam um pequeno livro com fotos de pássaros marinhos e peixes. Abriram em determinada página e lhe pediram:  ____Se tiver tempo, por favor, leia com carinho. E visite a Ilha dos Marrecos ! É muito importante!   
                
                  Dentro do livro Gervásio encontrou um bilhete.

              ____" Gervásio! Bom Dia !  Nossa Comunidade que vive da pesca artesanal soube desta reunião graças aos avisos de pescadores que moram em nossa Vila chamada de Vale Estrela. Deixo aqui com você algumas ideias e queremos reinvindicar iniciativas voltadas à proteção e preservação ambiental !"
                     
                   Gervásio sorriu para Maria, acenando positivamente com a cabeça.  Pensou consigo mesmo (  Eu sabia que essa Ilha está no meu destino!).

                      Maria Augusta ! Uma mulher forte nas suas atitudes, batalhadora e forte defensora do Manguezal. Formou com outros moradores quase que outra Cooperativa. Mas a central que recebe a descarga dos peixes e crustáceos, entre estes o caranguejo, o siri e os mexilhões é a mesma que recebe o pescado da Vila dos Pescadores. E assim a ideia que ela vem trabalhando de uma outra Cooperativa ficou relegada a segundo plano por questão geográfica e de logística de transporte.  Outro aspecto do Manguezal é o social, a habitação característica das palafitas que se erguem ao longo das margens do grande braço de rio de água doce que segue até o mar. 
                 
                      A realidade do Manguezal é muito diferente da vivida em alto mar. E as duas naturezas coabitam no seu ciclo de maré alta e maré baixa, os nutrientes do manguezal são produzidos através das fezes dos pássaros e aves marinhas, que alimentam toda uma biodiversidade. Todo um ciclo de vida   desde o solo que é rico em fósforo, potássio, 
 
                   A página dizia sobre os hábitos de reprodução do marreco mandarim.     É sabido que os marrecos mandarim recriam-se tanto na Ilha quanto na região dos manguezais.  Muitos peixes adentram o leito do mangue para se alimentarem de plâncton, produzido pelas fezes das aves e pássaros. Há um lado norte da Ilha dos Marrecos , que fotos aéreas ou mesmo vista das embarcações que exploram o mergulho turístico, aparece com rochas totalmente brancas e um longo e largo braço ao redor dessas rochas igualmente brancas.   Os pescadores falam que essa cor branca é produzida pela enorme quantidade de fezes depositadas pelos marrecos mandarim que habitam toda a extensão da ilha, bem próximos a pequenos rochedos que margeiam rios ou cachoeiras que desaguam no mar.  Toda a ilha é uma beleza em sua flora e fauna. Grande variedade de pássaros, uma variedade que vem atraindo fotógrafos e estudiosos.  As gaivotas, tanto a gaivota anã e a do tipo atlântica proliferam na Ilha e nas montanhas da Praia dos Pescadores.
                     Gervásio logo entendeu que ''andaria de braços dados''  no bom sentido com a notável líder Maria Augusta.  Uma história que corria por todos os cantos da vila foi uma briga que Maria travou com barqueiros que levavam turistas para ver de perto a coleta dos caranguejos ou os guanhamuns.    Durante uma alta temporada os barqueiros simplesmente começaram a se atropelar nas visitas, sem um controle de horário, iam e vinham ignorando o trabalho de conscientização que não era apenas sobre o ciclo de reprodução, mas que passava pela educação de não jogarem lixo , latinhas de refrigerantes, garrafas, plásticos, sobras de alimentos industrializados.  Havia um desrespeito porque estes barqueiros, não eram todos que agiam assim, porém naquela ocasião o lucro com esse turismo virou moda.
                   E então Maria Augusta quis por que quis dar um basta. Orientou a todos os moradores das margens a distribuírem  sacos de lixo e educar os turistas a recolherem os seus próprios lixos e levarem consigo . Imaginem!   Turistas estrangeiros que mal falavam o Português olhavam atravessado sem entender direito o que era aquilo. No começo tudo era uma ''novidade''.      Mas Maria Augusta começou com isso e não parou mais. Brigou e brigou tanto que acabou educando os barqueiros de que era preciso fazer isso para a sobrevivência do próprio manguezal como um todo.   Por isso que ela ganhou o respeito de todos! Foi muito corajosa!
                    Gervásio coçou sua nuca aloirada de cabelos loiros um tanto longos, e abrindo sua caderneta em certa página colocou-a sobre a mesa, olhou para um crucifixo na parede, fez o sinal da cruz rapidamente, viu que o Prefeito sentado nas primeiras fileiras do lado direito.
                      ____Boa Noite minha gente ! Boa Noite Maria Augusta e Neusinha! ( Aplausos) Boa Noite crianças presentes. E que Deus ilumine a todos nós nesta reunião!  Eu gostaria de convidar o Prefeito Josias Bastos a fazer parte desta mesa, por favor!
                                   O salão eclodiu inicialmente aplausos tímidos que ficaram mais fortes, por iniciativa do próprio Gervásio que puxando uma das três cadeiras ao longo da mesa ajudou o Prefeito a sentar-se que agradeceu sorrindo. Convidou também Maria Augusta a líder das mulheres catadoras de caranguejos , popularmente chamados de guaiamuns Antes porém como de praxe ele fez um pequeno discurso sem necessidade de microfone, evidente.
                           ____Amigos! Muito obrigado pelo convite! Eu estou feliz por estar aqui presente junto aos companheiros, e posso falar assim com toda tranquilidade e satisfação porque sou filho de pescador, meu Pai o Mestre Martins.   
                                      Novos aplausos irromperam no salão!
                               O Prefeito Josias Bastos admoestou os homens como que pedindo educadamente um pouco menos de aplausos, e emendou:
                             ___ Acredito que tanto quanto os senhores eu estou ansioso para ouvir o jovem Gervásio que é também é filho do meu amigo Senhor Simão, e portanto pescador, ambos fazendo parte desta Cooperativa tão valorosa!
                                E chega de prosa!
                         Gargalhou! No que foi seguido aos risos pelos demais. E sentou-se finalmente na cadeira puxando do bolso da camisa uma caneta esferográfica para fazer anotações.  Um certo agito verificou-se nos cooperados.  Com o gesto do Prefeito os homens quiseram imitá-lo a procura de canetas. Como se movida por algum instinto eis que surge no salão a menina Carla irmã de Gervásio trazendo um pequena caixa repleta de canetas de tinta azul e preta com algumas folhas soltas de papel sulfite. 
                   Mais do que depressa ela distribuiu aquele material, com o rosto vermelho de timidez, sob os olhos atentos de D.Teresa que quase a empurrou para o interior do salão. Com a porta entreaberta o maravilhoso cheiro da famosa moqueca invadiu o recinto. O Prefeito virou-se na direção da cozinha atraído pelo delicioso aroma, esfregando levemente as mãos e proferiu um '' oba''!
                  Novos sorrisos entre os presentes! D.Teresa ficou deveras preocupada, porque aquela moqueca não era para ser servida na reunião. E agora teria que por mais água na panela. Com a presença do Prefeito e aquele sonoro ''oba'' ficou evidente que ninguém iria embora sem provar um bocadinho da moqueca.  Chamou Carla de volta e fechou a porta da cozinha com um risinho disfarçado, pedindo ''Licença''...''Licença''.
                             Gervásio começou a falar!  Sua presença era iluminada. Quem o visse pela primeira vez pensaria estar na presença de um surfista carioca. Sua aparência física lembrava muito um famoso ator da época do filme "O menino do rio'' mas guardadas as devidas comparações, Gervásio era mais alto e mais moreno, bem moreno, queimado de sol constante no seu trabalho de pescador.  Gervásio trabalhava com o Pai desde os 5(cinco) anos e além deste trabalho, gostava de estudar , de nadar e correr na praia. Criado com os filhos dos outros pescadores, frequentando a mesma escola, indo à mesma biblioteca, já era por demais conhecido de todos. Era uma vida difícil, alternando a pesca em alto mar, quando podia ir com o Pai na pré adolescência com aproximadamente 15(quinze) anos ele já remava seu próprio barco, enfrentando hora o mar calmo, hora o mar bravo. Gervásio era muito responsável e admirado pela sua inteligência. As professoras e professores incentivavam o jovem que ia bem nos estudos, e ele frequentava a Biblioteca da Universidade porque não tinha todos os livros, e naquelas mesas ele fazia suas anotações usando algumas folhas, as mesmas folhas de sulfite em branco daquela reunião.
                           ____    Agradeço as palavras carinhosas do Prefeito! Novamente Boa Noite!
                              Como é sabido por quase todos eu e meu pai realizamos recentemente uma excelente pesca, pesca esta que os senhores tiveram a felicidade de confraternizar naquele Domingo de Páscoa!  Gervásio emocionado fez um breve silêncio.
                          ____ Foi um dia abençoado não apenas para a nossa família! Muitos aqui presentes fizeram uma boa pesca.  No entanto, em particular, o que aconteceu conosco foi especial, o que motivou exatamente esta reunião. Tentarei resumir os fatos, mas penso que haverá outras reuniões e alguns fatos serão inclusive repetidos, porque quero fazer desta experiência pessoal a experiência de todos vocês. Tomará Deus que eu consiga transmitir isso! Enquanto falo, eu peço ao meu Pai que faça a distribuição dos folhetos a respeito da Festa da Tainha!
                                   Maria Augusta pegou o folheto dobrou e olhava com certo ar de contrariedade mordendo o canto da boca. Ela queria falar, mas mordia a boca.
                                 O Prefeito aplaudiu e os pescadores também!
                                 Nossa vida no vilarejo sempre foi difícil, com dias bons e dias ruins. E se estou errado vocês me corrijam, por favor.  Não estamos satisfeitos com os preços oferecidos pela Cooperativa aos nossos peixes!  Falou Gervásio olhando ao fundo do salão. Ele notou a presença de dois homens. Eles eram do escritório da Cooperativa Central de Abastecimento.
                                  Gervásio não intimidou-se. O que dizia era patente e público. A própria condição daquela reunião era a prova física dos poucos recursos que os cooperados possuíam : uma sede provisória com um estacionamento de areia batida. Aliás, um estacionamento que foi cedido pela Prefeitura que pretende construir naquele espaço um Centro Técnico Profissionalizante.
                                          Vejo que estão presentes dois representantes da Cooperativa. Sejam bem vindos, afinal vocês pertencem aos nossos quadros, recolhem suas contribuições, e são diretamente envolvidos no tema que vou abordar. Inicialmente vou reler itens do estatuto desta Cooperativa de Pescadores desta vila em particular. Gervásio abriu um grande sorriso para outra pessoa que entrou no Salão. Era o Padre Álvaro que estava com um cartaz alusivo à Festa da Tainha.  Gervásio o chamou para sentar-se ao lado do Prefeito.
                                    ____Venha Padre Álvaro sente-se conosco! Que bom que o senhor veio!
                                    ____Desculpem chegar agora! Estava visitando um amigo doente! Felizmente ele está bem melhor!    Pode continuar Gervásio, prossiga com sua fala!   E Padre cumprimentou o Prefeito sentando-se ao seu lado.



                            

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